A NOITE EM QUE SEREMOS JUNTOS
Carlos de Hollanda
Foi numa noite… A lua, entre nuvens, aos poucos se mostrava. Redonda, plena. Lá fora o doce envolvimento de mais um plenilúnio. E a atmosfera dessa noite a conduzir a memória às pessoas que ali estiveram. Comigo.
E aquela noite de luar cheio reflete mais em sentimentos e energias. Parece roçarem em mim. O vento… Não.
Entre nós, a vidraça da janela e a sala às escuras. Aquela luz lunar transfere nosso pensar para além do tempo que passa, passa e gira nos ponteiros de um antigo mostrador.
Quantos minutos repetidos no circular e indefinível percurso dos metálicos ponteiros… Aqui, a casa. Menor que o espaço do jardim. Casa onde morava com minha mãe e minha irmã. Os móveis, imóveis, aguardam o que não sei.
Da antiga cômoda uma gaveta arrasto para fora. Em trabalhado relicário revive uma mecha de cabelo, dos negros cabelos de minha mãe. Aqui me vêm os cuidados, os temores maternos. Que nós evitássemos noites no jardim.
Temor do escuro? Cuidados? Não sei… Não, não saberia… Nossa mãe… Seus temores. Suas noites de rezas.
O santuário de madeira a pairar absoluto sob o antigo crucifixo. Numa parede. Em oposição, na outra, o robusto relógio. Testemunha do tempo, coluna de madeira, de corda. Seu dourado pêndulo, tal objeto usado para hipnotizar-nos. Suas retumbantes batidas… As ideias de nossa mãe de que, pelas noites, os santos rondavam no jardim, perto da casa. Ela os veria renteando as janelas. Leves batidas nas portas…
Uma noite, acordei e cheguei à sala. Ela ouvia colada à porta e perguntava baixinho quem respirava do outro lado, quem era a mensageira presença perdida nas noites. O dia seguinte, o Sol não estava. Vieram nuvens e a chuva, a chuva persistente. Tardinha e a chuva cessa. E o jardim em maior exuberância, exultante pelas águas que lhe deram outra vida, na sequência de vidas em que ressurge após cada rega do alto.
É noite de novo. Céu, limpo. E a Lua, toda. O longo jardim, suas aleias, árvores, arbustos, flores. Recorro à memória e nos encontro, a mim, à minha irmã. Minha mãe, não. Ainda vaga dentro da casa. Mas um dia virá para o jardim. E nós esperamos. Eu e minha irmã.