Conto Espírita: DA PORTA NO TEMPO

DA PORTA NO TEMPO

 

 

“Quando o fato não se encaixa nas estruturas do seu  conhecimento, estas é que devem ser alteradas, não o fato.”  Herculano C. Miranda

 

– Quem está por trás dessa porta no tempo que tenho medo de abrir ou até de escutar, ouvido nela colado?

Levanto o tronco, assustado, do sofá onde adormecera com o livro no rosto.  E foi o tempo de vislumbrar uma criança deslizar de um lado a outro cruzando a porta pelo lado de fora.  Saio da sala ao corredor e não mais o vejo.


     A tapeçaria das nossas vidas é tecida com fios muito antigos e o desenho é complexo  (Edith Fiore)


Vou ao jardim.  Ninguém.  Sinto, porém, que um vulto passou pelo corredor como quem se dirige ao quarto.  

Suspeito de sua ligação comigo, seja o que for, ou quem for.  Por que penso isso? Contudo, em pensamento, externo uma pergunta:

– De que parte de mim, você vem?

– Venho de antes, de tão distante, onde você se perdeu.  Ou ficou…

– Que parte de mim? Um tempo?

– Sim! Um tempo.  Pois o Tempo é parte de nós porque nele ficam partes nossas.  Nele gravamos ideias, pensamentos, formas pensadas.  Pensamento é matéria sustentada pela persistência no pensar.

– Em tudo que penso?

– Nesse caso você tem muito pensado em mim…

Emitia ele, ela ou aquilo essas respostas como se entrassem em meu cérebro ou em alguma parte minha, parte remota, parte desconhecida.

Sinto, no entanto, uma presença.  Uma energia, uma indistinta forma, como se parte minha se destacasse no tempo, no espaço.  

Ou eu é que seria uma parte dele, dela ou daquilo separada, lançada em alguma vez no espaço da vida?

– Seja quem for, ou o que for, por que não se mostra aqui, agora?

– Pois bem! Eis-me…

E uma forma de criança saltou da parede, olhando-me como se tal olhar entrasse em meu cérebro…

– Você é… um fantasma? Ou algo assim?

– Saiba que esse termo – fantasma – não nos caracteriza. Somos Espíritos, Espíritos de quem já viveu na Terra.  Eu sou assim.  E vou adiantar que conheço você! Ou conheci…

Um menino que diz que me conhece, ou conheceu.  Me ponho a imaginar de onde ele me sabe. Porque eu não o conheço!

– Sim. Você não me conheceu.  Mas eu faço parte de sua vida.  Na verdade, estou me apresentando na condição de criança para que você não se faça presa do espanto, de estranhamento ou até de revolta.

Penso na razão de me revoltar com ele pois espantado e estranhando tudo isso já me fiz!


Somente quando formos compassivos e afetuosos, estaremos livres da necessidade de viver repetidamente com os mesmos espíritos, que também são forçados a viver conosco. (Helen Wamback)


É como se ele lesse meus pensamentos! E, mais uma vez, responde:

– Se eu me apresentasse como fui, sendo parte de sua vida, talvez você se revoltasse. Embora eu saiba que não. Você já superou esta mágoa. Eu e sua mãe demos início à sua vida. Porém eu desencarnei antes de você vir ao mundo. E levou tempo até eu ser aceito aí dentro como seu pai.

Uma conversa de pai para filho. Pai e filho caminham lado a lado… | by  Roberto Vargas Jr. | Medium

E, lentamente, as feições do homem que eu sabia no único retrato dele surgiu na figura adulta daquele por quem eu sentia tantas saudades… 

 

Carlos F. de Hollanda

Deixe um comentário

Translate »